13 de agosto de 2011

Apresentação do Tema



Reflexões iniciais


A desigualdade social vivenciada remete à luta entre classes, à contradição inerente ao próprio sistema capitalista. A exclusão social está relacionada às transformações da contemporaneidade, considerando-se os efeitos do processo de reestruturação produtiva e da globalização, por meio dos quais se fragilizam as relações de trabalho.

O fenômeno social população em situação de rua decorre de múltiplas determinações e variações históricas, além da trajetória de vida dos indivíduos. A expulsão dos trabalhadores rurais dos campos teve consequências marcantes neste processo, pois estes trabalhadores vieram para grandes cidades em busca de uma oportunidade de emprego, contudo foram absorvidos aqueles que possuíam alguma qualificação, os demais transformaram-se em mendigos, vagabundos e ladrões, muitos dos quais passaram a depender da rua para sobreviver (SILVA, 2009).

É, portanto, nesse contexto contraditório do sistema capitalista vigente que o Estado é compelido à atender tanto às demandas do capital quanto à dos trabalhadores. O enfrentamento das mazelas produzidas pelo capital ocorre por meio das políticas públicas que consistem em estratégias de ação que visam alterar uma determinada situação. De acordo com Pereira (2007) política pública refere-se à ações coletivas cujo objetivo consiste em efetivar direitos demandados pelos cidadãos e pautados em leis. Tais ações visam à formulação e desenvolvimento de programas que garantam o acesso a bens e serviços tendo como diretriz a participação e o controle social.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 194, estabelece a formação do tripé da seguridade social: saúde, previdência e assistência social, sendo que esta última foi regulamentada através da Lei Orgânica de Assistência Social (Lei nº 8.742/93), promovendo sua identificação com os direitos sociais, que vislumbram a eqüidade e a justiça social. Assim, exige-se do Estado atitudes intervencionistas, uma vez que este é regulador e garantidor de direitos que são considerados fundamentais para o cidadão. A política de Assistência Social passa a ser concebida como política de seguridade social, de caráter não contributivo, que busca atribuir melhores condições de vida e de cidadania aos segmentos empobrecidos.

Sendo assim, cabe destacar-se o conceito de reconhecimento e ao retomarmos às concepções de Nancy Fraser (2007) quando afirma que o reconhecimento depende da capacidade de participação na vida social, destaca-se a primeira dificuldade encontrada, pois à população em situação de rua não é atribuída tal igualdade, o que aliás constitui-se um dos aspectos característicos atribuídos a esse público e que é apontado por Silva, trata-se do “preconceito como marca do grau de dignidade e valor moral atribuído pela sociedade às pessoas atingidas pelo fenômeno” (SILVA, 2009, p.119). Tratados como mendigos, vagabundos, desocupados, loucos, bandidos, vadios, sujos, entre tantas outras denominações, as pessoas em situação de rua são comumente responsabilizadas por sua situação, e outras vezes tidas como ameaça à comunidade, o que por vezes, leva à adoção de práticas higienistas como massacres, extermínio ou recolhimento forçado de pessoas (SILVA, 2009).

Manuel Castells (2002) oportunamente aborda a ideia de construção de uma identidade de resistência criada por atores/atrizes que se encontram em posições/con­dições desvalorizadas e/ou estigmatizadas pela lógica da dominação, construindo, assim, trincheiras de resistência e sobrevivência com base em princípios diferentes dos que per­meiam as instituições da sociedade, ou mesmo opostos a estes últimos. Inclui-se nesta categoria de análise a luta do Movimento de População em Situação de Rua, que assim como tantos outros, vem tentando estabelecer verdadeiras trincheiras de resistência à lógica da dominação e da culpabilização dos indivíduos por sua condição, remetendo tal condição quase sempre à uma questão individual (como bem comenta Fraser) na lógica da psicologia individual, retirando-a do contexto das relações sociais, local que lhe é mais próprio.

Tomando como ponto de análise a questão da raça a partir de dados acerca da realidade da população de rua constata-se também a predominância de negros e pardos com pouco grau de escolaridade. Considerando-se que uma das características deste público é a extrema pobreza (SILVA, 2009), percebe-se então que são os negros e pardos têm sido levados a permanecerem em situação de rua. Por conseguinte, se aliadas as discriminações por sexo e por raça culminam em uma a discriminação ainda mais intensa, ampliando-se também seus efeitos. Nota-se ainda que a situação se agrava quando somada a situação de rua. Interessante notar que o mundo da rua se apresenta com regras, predominantemente masculinas, onde as relações de poder se fazem presentes nas relações estabelecidas entre homens e mulheres e que guardam resquícios de uma sociedade patriarcal, tal qual a realidade vivenciada por toda uma sociedade. Para estas mulheres estar na rua com seus parceiros significa proteção, ainda que sejam eles mesmos a praticarem alguma violência. Estar nas ruas significa também utilizar estratégias para obtenção de recursos, inclusive vender seu corpo.

Entende-se que para o enfrentamento de tal problemática torna-se necessária a adoção de políticas focais aliadas às políticas universalistas, uma vez que estas últimas encontram-se ligadas à ideia de justiça social, ao passo que as primeiras reconhecem as diferenças.

Discutindo o tema


 
Discutir o tema população em situação de rua com foco na mulher mostra-se um desafio ao considerarmos a dupla dimensão do fenômeno, ou seja, por um lado discutir as dificuldades enfrentadas por este público, independente de sexo, pois guarda relação íntima com a própria estrutura do sistema em que vivemos. Por outro, considerar as motivações e especificidades no que tange ao processo de vinda para as ruas das mulheres.

Ao considerarmos então a proposta do curso de Políticas Públicas em Gênero e Raça, e no caso do tema e subtema deste trabalho, qual seja “Pobreza, gênero e raça/etnia nos contextos urbano e rural: Perspectivas de gênero e raça/etnia na saúde pública” consideramos de relevância discutir o tema “Mulheres em situação de rua e a questão da saúde pública” por entender que historicamente a população em situação de rua tem sido composta pelos segmentos excluídos do circuito do mercado, ou seja, os segmentos pauperizados, os negros/negras, os que têm pouco ou nenhum estudo, os desempregados, etc.

Pretende-se com este trabalho atribuir visibilidade ao tema População em Situação de Rua, apresentar as políticas públicas já existentes para este público e, mais propriamente discutir e apontar a necessidade de ações de proteção específicas para as mulheres que se encontram nesta situação, focando-se, contudo, na política pública de saúde. Para tanto, apresentaremos à discussão as falas e anseios de quem vivencia as dificuldades de acesso a esse direito fundamental, assim como a tantos outros. Com a palavra, as mulheres em situação de rua: o que pensam, sentem, quais dificuldades encontram para além daquelas vivenciadas pela população com um todo no que tange ao acesso à saúde pública? Quais são os problemas de saúde mais enfrentados por essas mulheres?

E por outro lado consideraremos também o importante papel desempenhado pelo poder público frente à problemática em questão, buscando-se respostas para indagações como: Quais as estratégias utilizadas e a serem criadas para atendimento às demandas da população em situação de rua? Quais as estratégias de atendimento às mulheres em situação de rua? Qual o papel dos gestores públicos na interlocução entre o que necessita esta população e aquilo que pode ser viabilizado junto à burocracia estatal?

No que tange à política pública de saúde, foco do estudo, contextualizaremos desde sua quase inexistência no Brasil enquanto política pública, passando pela constituição do Sistema Único de Saúde- SUS enquanto política de Estado garantida pela Constituição Federal de 1988, chegando à atualidade. Desse modo, pretende-se evidenciar o processo de luta para a garantia da saúde enquanto um direito dos cidadãos/cidadãs brasileiros/as, o que persiste ainda hoje ao considerarmos as dificuldades de acesso da população de um modo geral. Nesse ponto, cabe ressaltar a dificuldade ainda maior enfrentada por aqueles que se encontram em situação de rua, estando muitas vezes desprovidos de documentos pessoais, fato que dificulta ainda mais o acesso aos procedimentos, sobretudo de média e alta complexidade.

Estas são as questões às quais se pretende refletir ao longo da construção deste blog, utilizando-se de variadas estratégias de informação tais como vídeos, textos, leis, entrevistas e depoimentos, músicas, entre outros. Enfatizaremos o tema população em situação de rua, contudo abordaremos assuntos importantes que perpassam por toda a discussão, são eles: gênero, raça e etnia. Assim, convidamos t@d@s a participarem acessando, comentando, indicando materiais, votando nas enquetes e participando ativamente na construção deste blog para que acima de tudo possamos acrescentar e disseminar conhecimento e discutir estratégias de políticas públicas que efetivem direitos.

Thaís Tononi Batista


População em Situação de Rua

   Vídeo de apresentação do tema:




Elaborado por grupo 3 - Pólo de Aracruz/ES